quarta-feira, 17 de maio de 2017
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Héstia
Longe de ser a
Hora da Estrela, nessa madrugada nem Selene, deusa-lua, flutua na imensidão de
breu que me cobre. E, por seu turno, ainda que eu recorra aos livros, os únicos
lampejos de literatura que me ocorrem são esses: patéticos desabafos que sequer
me pertencem, porque já os ouvi aqui e acolá nas bocas amargas das gentes que
não sabem o que querem.
Rolo na cama e
faço rebuliço entre os lençóis com a vivacidade de amores novos, mas há pouco
mais do que a densidade das sombras e um vão que me envolve. Também essas
sensações de ausência não são originalmente minhas. Já as contemplei mais cedo,
quando a música invadia o parque e o banco ao lado de alguém estava vazio e
aquela mão parecia vaguear à procura de outra.
Era um estar
sozinho sutil, que caiu aos meus olhos com certa melancolia e que, ao invés de
engolir ali mesmo, trouxe para casa, trouxe para a poesia.
Apodero-me,
assim, do cotidiano que escapa das vitrines e os acomodo, confortáveis, em meu
leito, até que, inquietos, transformam-se na palavra que me teima e me salta,
buscando o rumo branco de mais um dia ou de um papel.
Desse modo,
não sei mais quais dessas agonias que me invadem são completamente minhas,
quais foram inventadas, quais devo libertar (ou abandonar) e quais devo
preservar pelo prazer de tentar domá-las.
Não sei em que
medida pertenço ao meio em que estou, em que medida me cabem aqueles olhares
(sejam os casuais, os curiosos ou, quiçá, de admiradores [?!]) e, não perceber-me
nesse tempo dá-me ares de distraída, ora lânguida, talvez lacônica, mas à
espreita das frestas de minhas janelas interiores, o que se vê é agitação.
Experimento,
silenciosa, paixões avassaladoras de um bom dia, turbilhões de uma coleção de
roteiros abandonados, pensados puramente para não acontecerem, saudades dos
dias que estão por vir e desejos de passados tão remotos que, aos meus olhos,
só mil anos (para trás) me deixariam, de fato, à vontade.
É que se
pareço calmaria no fim da tarde, estou me preparando para arder nessas
fogueiras antigas.
É que se me
cabem forças de montanha, por dentro, corre a lava, contenho, à duras penas, a
energia de um vulcão.
É que se sigo
em desvio de rio, estou saudosa das águas profundas e das (tão minhas)
insatisfações de maré.
É que se venço
o dia e suas gentes desinteressantes e cansativas e suas vaidades inúteis,
estou à espera do momento em que serei eu: a noite. É, portanto, por amar as
noites que resisto aos dias. É porque me crio sob a lua que aprendi a caminhar
com o Sol.
Não tenho o
sagrado descanso noturno. Não me cabem braços ou abraços, mas é assim, sob o
céu negro, em minhas inquietudes plenas que ganho as forças necessárias para o
novo dia.
domingo, 4 de setembro de 2016
A Madrugada
sábado, 30 de julho de 2016
Coração-lobo
À guisa de qualquer criatividade,
poderia se usar o adjetivo casmurro, como no clássico literário, sem que fossem
cometidos crimes autorais ou absurdos comparativos.
Taciturno também poderia cair muito
bem como carapuça ou luva naquele ser que perambulava sobre a terra sem maiores
pretensões do que existir e, sem esforço algum, aborrecer este ou aquele
passante que ousasse direcionar-lhe um sorriso.
Não era por mal que andava carrancudo
ou cabisbaixo. Não era por mal nem que existia. De fato, não conhecia a maldade
e nem a praticava. A quem lhe perguntasse, por cisma, o motivo do silêncio ou da
opacidade, justificava-se apenas colocando a culpa no mundo que já não ia mito
bem há tempos.
Quem o observava de longe era capaz
de afirmar, de certo, que se tratava de apenas mais um homem fechado, desses que
se cercam de seu egoísmo e já nem o espelho aceitam por companhia, por temer
dividir-se em dois.
A ausência de vícios não lhe
favorecia. O mau gosto pela vida nem era mais notado. E tamanha tristeza só
conseguia ser maior que o velado desespero de um coração solitário como um lobo
que teimava em habitar-lhe o peito.
Ainda tinha gosto pela poesia, mas já
perdera o viço das rimas.
Ainda tinha gosto por quadros, mas as
tintas eram desbotadas.
E seu pobre coração-lobo, uivava nas
madrugadas longas e insones uma canção tão comprida e estridente que nem com o
travesseiro era possível abafá-la.
Assemelhava-se com uma ostra fechada,
mas parecia não ter nenhuma pérola a oferecer, senão, um sorriso muito branco,
muito inexpressivo, muito lugar comum, que não refletia tampouco o que sentia.
Talvez fosse, na verdade, um casulo
em metamorfose, aguardando, ansioso, o momento do despertar. Aguardando a boca
fresca de aurora a lhe chamar o nome e devolver a vida, roubada em uma das
esquinas do tempo, quando os planos feitos foram jogados pelos ares e o chão
desabara.
Talvez esperasse a leveza do voode
cabelos soprados pelo vento que lhe acariciariam a pele e trariam à tona as
esperanças enterradas nas sombras do esquecimento.
Talvez esperasse ouvir o seu nome
cantado como o som de cotovia ao raiar do dia, mas já fazia ouvidos moucos a
toda voz que a ele se dirigia.
Talvez vivesse de esperas e
esquecera, de fato, que os passos precisam ser dados para existirem. Talvez tivesse
se esquecido do que era a ação e, por isso, parecia ser tão estático.
Talvez tivesse esquecido o que era a
alegria de ser amado e já não amava entregue aos medos que lhe cercavam e que
acabaram por domina-lo.
Talvez esperasse que um anjo abrisse
o céu e lhe estendesse a mão de luz para salvá-lo, mas ainda tinha os olhos
fechados para qualquer luminosidade que se atrevesse.
Talvez tivesse aprendido a ser uma
quase estátua. Um ser sem ser. E, a essa altura da vida, proteger-se debaixo de
seu chapéu envolto a um sobretudo era tudo o que lhe havia sobrado.
Sobrava na vida. Não sabia mais como
ser reintegrado, fadado ao seu silêncio e monotonia.
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